A Queda de um Anjo - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 107 / 207

Disse ela à mana Catarina que a fronte de Calisto parecia alumiada, e no todo das feições e ademanes se revelava certa nobreza e garbo, que o faziam parecer mais novo.

E era assim. Os quarenta e quatro anos do morgado, vividos na aldeia, e no resguardo da biblioteca, viçavam ainda frescura de mocidade. A reforma do trajar fora grande parte nisto. A casaca antiga, e o restante da roupa trazida de Miranda tolhiam-lhe a elegância das posturas e movimentos, nos primeiros discursos.

Cícero e Demóstenes, se entrassem de fraque no fórum ou na ágora, desdourariam os mais luzentos relevos de suas esculturais orações. A estatuária do orador pende grandemente do alfaiate. Vistam Casal Ribeiro ou Latino Coelho, Tomás Ribeiro ou Rebelo da Silva, Vieira de Castro ou Fontes de casaca de briche e gravata sepulcral da mandíbula inferior: hão-de ver que as pérolas desabotoadas daquelas bocas de oiro se transformam em granizo glacial no coração dos ouvintes.

— Eu estava encantada de ouvi-lo, Sr. Barbuda — disse Adelaide. — Tem uma voz muito sã e argentina. Gostei de ver a presença de espírito de V. Exa., quando se levantou aquela algazarra contra as suas ironias. Lembrou-me então que prazer sentiria sua senhora, se o escutasse!

— Minha prima Teodora decerto me não atendia — observou o morgado. — Enquanto eu falasse, estaria ela pensando no governo da casa, e na calacice dos criados. Eu já disse a V. Exa. que minha prima Teodora entendeu no sumo rigor da expressão a palavra «casamento».





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