Era feio, e ao princípio tinha-lhe medo; mas assim que ele me mandou um acróstico; V. Exa. sabe fazer acrósticos?
— Ainda não me pus a isso.
— Pois como eu me chamo Tomásia Leonor e tenho catorze letras fez-me ele um soneto que me deu volta à cabeça, e tamanho incêndio que me tomou o peito, que o amei até à morte, e ainda agora, ficando eu viúva aos trinta e nove anos, fui, sou e serei fiel à sua memória.
Neste ponto, D. Tomásia, ferida na alma pelo acróstico memorando, chorou.
Calisto represou-lhe os prantos com algumas máximas consoladoras sobre a morte, e bocejou, já porque eram três horas e meia da manhã, já porque o diálogo descaíra nos aborrimentos de uma palestra em dia de fiéis defuntos. D. Tomásia começou a espirrar, porque se não agasalhara bastantemente, e assim se apartaram estas duas almas, que uma hora de expansão aproximara.
Calisto, conforme ao antigo uso, levou um livro para a cabeceira do leito. Escolheu poeta, e saiu-lhe o seu já tão querido outrora Sá de Miranda. Abriu ao acaso, e saiu-lhe numa página d’Os Estrangeiros esta máxima: Duas sortes de homens há no mundo que se possam servir: ou muito parvos ou muito namorados, e ainda os namorados têm grande vantagem.
A meu juízo, o espírito daquele honrado doutor, que tão santo marido fora de Briolanja de Azevedo, até de saudades dela se deixar morrer, ali lhe viera, àquela hora, relembrar ocasionalmente e a ponto uma de suas máximas, como em paga do afectuoso respeito com que Barbuda o lia e inculcava à mocidade depravada.
Calisto Elói pôde ainda admirar o lídimo português da máxima, e adormeceu.