A Queda de um Anjo - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 3 / 207

Remenda teu pano, chegar-te-á ao ano, dizia a morgada de Travanca; e, aferrada ao seu adágio predilecto, remendava sempre, e cerzia com perfeição justamente admirada entre a família, e falada como exemplo na área de quatro léguas, ou mais.

Enquanto ela recortava o fundilho ou apanhava a malha rota da peúga, o marido lia até noite velha, e adormecia sobre os infólios, e acordava a pedir contas à memória das riquezas confiadas.

Os livros de Calisto Elói eram cronicões, histórias eclesiásticas, biografias de varões preclaros, corografias, legislação antiga, forais, memórias da Academia Real da História Portuguesa, catálogos de reis, numismática, genealogias, anais, poemas de cunho velho, etc.

Respeito a idiomas estranhos, dos vivos conhecia o francês muito pela rama; porém, o latim falava-o como língua própria, e interpretava correntemente o grego.

Memória pronta, e cultivada com aturado e indigesto estudo, não podia sair-se com menos de um erudito em história antiga, e repositório de notícias miúdas sobre factos e pessoas de Portugal.

Consultavam-no os sábios transmontanos como juiz indeclinável em decifrar cipos e inscrições, em restabelecer épocas e sucessos controvertidos por autores contraditórios.

Sobre castas e linhagens, coisa que ele tirasse a limpo não dava pega a dúvida nenhuma. Ia ele desenterrar geração já sepultada há setecentos anos, e provar que, na era de 1201, D. Fuas Mendo casara com a filha de um mesteiral, e D. Dorzia se havia sujado casando mofinamente com um pajem da lança de seu irmão D. Paio Ramires.





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