Um deputado: — Carroças são de lixo.
O orador: — E bem pode ser que seja lixo o que vai nelas… Por entre estas soberbas carroças, Sr. presidente, vejo eu passar mal arrimados às paredes, e temerosos de serem esmagados, uns homens de aspecto melancólico, e mal entrajados. Nestes cuido eu ver D. João de Castro, que empenhou as barbas, e tem duas árvores em Sintra; Duarte Pacheco, que vai entrar no hospital; e Luís de Camões, que vem de comer as sopas dos frades de S. Domingos. Cada época tem centenares destas ilustres vítimas.
Um deputado: — Vê coisas magníficas!
O orador: — E também vejo o dedo do profeta escrevendo na parede o lema daquele devasso festim… (Pausa. O orador conserva o braço em postura escultural, apontando à parede. O presidente acorda estremunhado, com a risada do ministro da Fazenda.) O que eu vejo? Quer o ilustre deputado saber o que eu vejo? É a indústria agrícola de Portugal devorada pelas fábricas do estrangeiro; é o braço do artífice nacional alugado à escravidão do Brasil, porque a Pátria não lhe dá fábricas; é o funcionário público prevaricado, corrupto e ladrão, porque os ordenados lhe não abastam ao luxo em que se desbarata; é o julgador dos vícios e crimes sociais transigindo com os criminosos ricos, para poder correr parelhas com eles em regalias; é a mulher de baixa condição prostituída, para poder realçar pelos ornatos sua beleza; é a aluvião de homens inábeis, que rompe contra os reposteiros das secretarias pedindo empregos, e conjurando nas revoluções, se lhos não dão.