Como o mar tu tiveste as tuas tormentas, as tuas calmarias ocultas, as tuas grutas, os teus monstros secretos, a tua elevação religiosa, a tua espuma imunda. Como sobre o mar, sobre o teu cérebro correram as doces ideias geniais e puras como velas de pescadores: as pesadas ambições modernas, rápidas e incisivas como rodas de paquetes; as brutais exigências do temperamento, estupidas e vitoriosas como monitores armados. Despedaçaste-te de encontro à fria reserva de um amor que se extingue, como ele se esmigalha contra a escura insensibilidade das rochas. Como ele tem o vento que é o seu tirano, tu tiveste a paixão. Vai, pobrezinha, repousar em paz, no fundo das algas verde-negras! Triste destino! Quem mais do que tu, sentiu, amou, estremeceu, corou, quis, venceu? Quantas lágrimas causaste! Quantas loucas palpitações! Quantos desejos para ti voaram como bandos de pombas! Quantas vozes perdidas te chamaram! Quanta fé fizeste renegar!
Quanta altivez fizeste sucumbir! E tanta vida, tanta ação, tanta vontade, um tão grande centro vital como tu foste, um grumete amarra-lhe duas balas aos pés e atira com ele ao mar! E aqui jaz o ruido do vento, e aqui jaz a espuma da onda!
De que te serviu o ser, o que fizeste ao sangue, à vontade, aos nervos, ao pensamento, que trouxeste do seio da matéria? Que ideia deixaste, que memória, que piedade? Que foste tu mais do que um corpo belo, desejado e fotografado? Fizeste parte, durante a vida, daquelas insensíveis belezas naturais, que o homem usa e arremessa. Foste como uma camélia, ou como a pena de um pavão. Foste um adorno, não foste um carater. Nunca tiveste um lugar definido na vida, como não terás um túmulo certo na morte! Adeus pois para sempre, oh doce efémera! o teu destino é a dispersão!