Mas eu ficava sendo um falsário. Repeti a mim mesmo esta palavra sinistra e estremeci de horror. Era preciso achar outro meio, que eu procurava debalde. E no entanto o tempo corria. Veio a noite. Lembrei-me que o primo da condessa poderia vir de Cascais prevenido por ela, e cheguei a sair de casa com pregos e um martelo para encravar a fechadura da porta e retardar a entrada no prédio onde se achava o morto. Ocorreram-me mil ideias fantásticas, cada qual mais absurda. Passeei por muito longe, a pé, meditando, inquieto, nervoso, congestionado, estafado, devorado de febre, palpando no fundo do bolso o bilhete terrível com que poderia desviar a responsabilidade da cabeça de um criminoso, tomando todavia para mim uma parte igual no seu remorso.
Finalmente, por volta da meia noite, sem bem saber porquê, nem para quê, levado por uma atração terrível, atrás de uma suprema inspiração, cingi-me com o muro, abri a porta, penetrei na casa. Então me encontrei inesperadamente com o doutor e com a pessoa conhecida no decurso desta história pelo nome de mascarado alto.
O primo da condessa, tendo chegado de Cascais ao meio dia, acompanhado de dois amigos íntimos, inquieto pelo desaparecimento de Ritmel, que era seu hóspede e vivia como homiziado em casa dele em Lisboa, foi ao prédio misterioso de que possuía uma chave e que sabia ser frequentado regularmente pelo inglês, e encontrou aí o cadáver. Conhecendo as relações de Ritmel com a condessa, ponderando quanto havia de delicado na necessidade de manter o maior sigilo em volta daquela catástrofe, e julgando por outro lado indispensável que o testemunho de um médico constatasse a morte, que poderia ser apenas aparente, planeou e realizou a emboscada em que surpreendeu o doutor ***, que ele sabia casualmente que passaria nessa tarde pela estrada de Sintra.