Bastou uma mudança de posição para que a sua identidade fosse revelada. A mulher levantou-se, não por me ter ouvido chegar, mas como que possuída por uma enorme indiferença melancólica, e de repente vi-me perante a minha vil predecessora. Lá estava ela na minha frente, a imagem da desonra e da tragédia. Porém, quase no mesmo instante, indiferente aos meus esforços para guardar a sua imagem na memória, a aparição como que se desfez no ar. Sombria dentro daquelas roupas negras, dona de uma beleza destroçada e de um desgosto impossível de exprimir, olhara-me o tempo suficiente para que eu pudesse entender estar ela a dizer-me que tinha tanto direito a sentar-se na minha cadeira como eu a sentar-me na cadeira dela. E, de facto, durante o tempo que durou aquela troca de olhares, senti que era eu a verdadeira intrusa. Foi como que num protesto contra isso mesmo que me ouvi gritar:
— Fora daqui, sua criatura vil e miserável! — Contudo, o meu protesto ficou a ecoar por entre as paredes daquela casa vazia. Senti que ela me escutara, mas procurei recompor-me e desanuviar a atmosfera. No minuto seguinte, não havia mais nada naquela sala senão a luz do sol e a certeza de que devia ficar.