Eu estava muito angustiada, ao viver aquele extraordinário momento, mas, graças a Deus, não sentia terror. E ele de pronto se apercebeu do facto, o que, durante breves instantes, me provocou uma estranha sensação. Senti ainda que, caso conseguisse manter a calma durante mais alguns instantes, deixaria (pelo menos por enquanto) de me sentir obrigada a preocupar-me com ele. E, de facto, no decorrer do minuto que se seguiu, aquela coisa transformou-se em algo que tinha tanto de humano quanto de hediondo — hediondo precisamente por ser humano, tão humano como um qualquer inimigo, um criminoso ou um aventureiro que, pela calada da noite, se tivesse introduzido na casa adormecida. Foi o silêncio mortal do longo olhar que trocemos de tão perto que conferiu à cena todo o seu horror, o seu carácter sobrenatural. Se me tivesse cruzado com um assassino num lugar daqueles e àquela hora, teríamos, pelo menos, trocado algumas palavras. Tenho a certeza de que algo de concreto se teria passado entre nós, e, caso assim não fosse, então alguém teria dado um passo em frente. Ao invés disso, aquele momento foi de tal forma prolongado que pouco faltou para que eu começasse a duvidar de que eu estava viva. Sou incapaz de explicar o que aconteceu a seguir, senão por dizer que o próprio silêncio — que, de certa maneira, funcionava como uma forma de medir a minha força — se tornou o elemento em que vi aquela figura desaparecer; em que a vi dar meia volta (tal como teria feito em vida depois de receber uma ordem) e, sempre com os meus olhos cravados naquelas costas que corcunda alguma poderia ter desfigurado mais, o vi descer os degraus e desaparecer na escuridão.