Na altura em que Michu dava volta à torneira, a fim de lavar as mãos, apresentou-se 0 juiz de paz, acompanhado do escrivão e do guarda-campestre.
- Que deseja Senhor Pigoult? - perguntou Michu.
- Em nome do imperador e da lei, está preso – disse o juiz de paz.
Os três gendarmes apareceram então, trazendo Gothard. Ao verem os chapéus debruados, Marta e a mãe trocaram entre si um olhar aterrorizado.
- Ora essa! E porquê? - perguntou Michu, que se sentou à mesa, dizendo para a mulher: - Serve-me, estou morto de fome.
- Sabe-o tão bem como nós - disse o juiz de paz, que acenou ao escrivão para encetar o auto, depois de mostrar a ordem de prisão ao rendeiro.
- Então, estás espantado, Gothard? Queres jantar ou não queres? - disse Michu. - Deixa-os lá escrever as tolices que eles quiserem.
- Reconhece o estado em que estão as suas roupas? - pergunta o juiz de paz. - Tão-pouco nega as palavras que disse a Gothard há pouco, no pátio?
Michu, servido pela mulher, pasmada com o sangue-frio do marido, comia com a avidez que a fome provoca, sem responder; tinha a boca cheia e o coração inocente. O apetite de Gothard fora suspenso por um horrível pânico.
- Então - disse o guarda-campestre ao ouvido de Michu -, que fez você ao senador? Pelo que dizem os homens da justiça, à sua parte pode contar com a pena de morte.
- Oh, meu Deus! - exclamou Marta, que, ouvindo as últimas palavras, caiu no chão como fulminada.
- Violette é capaz de nos ter arranjado algum trinta e um! - murmurou Michu, lembrando-se das palavras de Laurence.
- Ah! Com que então sabe que Violette os viu? – disse o juiz de paz.
Michu mordeu os beiços e decidiu não dizer mais nada. Gothard seguiu-lhe o exemplo. Ao ver a inutilidade dos seus esforços para o fazer falar, e conhecendo, de resto, aquilo a que por aqueles sítios se chamava a perversidade de Michu, o juiz de paz mandou que lhe amarrassem as mãos, bem como a Gothard, e que os conduzissem ao castelo de Cinq-Cygne, para onde ele se dirigiu, ao encontro do director do júri.