Depois de julgar com toda a lucidez o Senhor e a Senhora de Hauteserre, e de ter reconhecido neles uma" natureza digna, mas sem energia, afastou-os das leis da sua esfera. Era demasiado inteligente e indulgente de mais para lhes querer mal pelo seu fraco carácter; boa, amável, afectuosa para com eles, não lhes confiou um SÓ dos seus segredos. Não há nada que mais insensibilize a alma que a dissimulação constante no seio da família.
Quando atingiu a maioridade, Laurence deixou que continuasse a gerir os seus negócios o bom Senhor de Hauteserre, tal como até então. Desde que a sua égua favorita fosse bem pensada; que a criada Catarina andasse como ela gostava, e o seu criadito Gothard se apresentasse convenientemente vestido, o resto pouco lhe importava. Punha a sua ideia em escopo por de mais elevado para descer a preocupar-se com coisas que, noutros tempos, sem dúvida muito lhe teriam agradado, Os adornos não lhe diziam nada, e de resto os primos estavam ausentes. Laurence tinha urna amazona verde-garrafa para montar a cavalo, um vestido de pano comum com o peitilho guarnecido de alamares, para sair a pé, e para usar em casa um roupão de seda. Escoltava-a Gothard, o seu pequeno escudeiro, atilado e corajoso rapazinho de quinze anos, pois andava sempre por fora, e caçava em todas as terras de Gondreville, sem que os rendeiros ou Michu lhe dissessem fosse o que fosse. Montava muito bem a cavalo e na caça era de uma destreza miraculosa. Naqueles sítios chamavam-lhe a Menina, mesmo durante a Revolução.
Quem tiver lido, porventura, o belo romance Rob Roy, deve lembrar-se de um dos raros caracteres de mulher em cuja pintura Walter Scott abandonou os seus hábitos de homem frio: o de Diana Vernon. Esta figura pode ajudar a fazer compreender Laurence, caso se junte às qualidades da caçadora escocesa a contida exaltação de Charlotte Corday, suprimindo embora a amável vivacidade que torna Diana atraente.