A senhora sua irmã, a Menina Goujet, com os seus setecentos francos de rendimento, associava-se à débil côngrua do pároco, e assim mantinha a casa de seu irmão. Nem a igreja nem o presbitério tinham sido vendidos, em vista do seu pouco valor:
O abade Goujet vivia a dois passos do castelo, pois o muro do jardim do presbitério e o do parque eram comuns em certos pontos. Por isso, duas vezes por semana, o abade Goujet e a senhora sua irmã jantava em Cinq-Cygne, onde, todas as noites, vinham jogar uma partida com os Hauteserre. Laurence não sabia nada de cartas. O abade Goujet, ancião de cabelo e rosto branco de velha, dotado de sorriso amável, de voz doce e insinuante, resgatava a insipidez da cara embonecada, graças à testa, que transpirava inteligência, e aos olhos muito finos. De mediana estatura e bem feito, usava batina preta à francesa, fivelas de prata nos calções e nos sapatos, meias de seda preta e um colete da mesma cor, sobre o qual pendia o cabeção, o que lhe dava muito bons ares, sem nada prejudicar a sua dignidade. Este abade, que veio a ser bispo de Troyes durante a Restauração, habituado como estava pela vida que levara a julgar as pessoas, adivinhara o grande carácter de Laurence; apreciava-a em todo o seu valor, e desde logo testemunhara uma respeitosa deferência por essa jovem, o que muito concorreu para torná-la independente em Cinq-Cygne e para fazer com que a austera senhora e o bom do gentil-homem, a quem, como era da praxe, ela devia obediência, lhe dessem rédea solta.
Havia seis meses que o abade Goujet observava Laurence com a perspicácia peculiar aos padres, que são as pessoas mais atiladas; e embora lhe não passasse pela cabeça que aquela rapariga de vinte e três anos pensava derrubar Bonaparte no momento em que as suas fracas mãos destorciam um dos alam ares desfeitos do seu traje de amazona, o certo é que a supunha agitada por um grande projecto.