O Conde de Monte Cristo - Cap. 113: O passado Pág. 1044 / 1080

Tive um momento de esperança depois de fazer estes cálculos... Não contava com a fome nem com a infidelidade!

E um riso amargo saiu da boca do conde. Acabava de ver, como num sonho, o pai a ser conduzido à sepultura... E Mercédès dirigindo-se para o altar!

No outro lanço da muralha deu com os olhos numa inscrição. Ainda se destacava, a branco, na parede esverdeada: «meu deus, conserva-me a memória!»

- Oh, sim, era esta a minha única prece nos últimos tempos! - exclamou. - Já não pedia a liberdade, pedia a memória, receava enlouquecer e esquecer. Meu Deus, conservaste-me a memória e lembrei-me. Obrigado, obrigado, meu Deus!

Neste momento a luz do archote reflectiu-se nas paredes; era o guia que descia.

Monte-Cristo foi ao seu encontro.

- Siga-me - disse o homem.

E sem necessitar de vir à superfície, fê-lo seguir por um corredor subterrâneo que o conduziu a outra entrada.

Também ali Monte-Cristo foi assaltado por um mundo de pensamentos.

A primeira coisa que lhe saltou à vista foi o meridiano traçado na muralha, com o auxílio do qual o abade Faria contava as horas; depois os restos da cama em que o pobre prisioneiro morrera.

Ao ver isto, em vez das angústias que o conde experimentara na sua cela, um sentimento suave e terno, um sentimento de reconhecimento, encheu-lhe o coração e duas lágrimas rolaram-lhe dos olhos.

- Era aqui que estava o abade louco - informou o guia. - Era por ali que o rapaz vinha ter com ele - e mostrou a Monte-Cristo a entrada da galeria, que daquele lado ficara aberta. - Pela cor da pedra - continuou - um sábio descobriu que devia haver mais ou menos dez anos que os dois prisioneiros comunicavam um com o outro. Pobres homens, muito se devem ter aborrecido durante esses dez anos!

Dantès tirou alguns luíses da algibeira e estendeu a mão para o homem que pela segunda vez o lamentava sem o conhecer.

O porteiro aceitou-os, julgando receber algumas moedas de pouco valor mas à luz do archote verificou que o visitante lhe dera muito dinheiro.

- Senhor - disse-lhe -, deve-se ter enganado...

- Como assim?

- Deu-me moedas de ouro.

- Bem sei

- Sabe?!

- Sim.

- Era sua intenção dar-me este ouro?

- Era.

- E posso guardá-lo com a consciência tranquila?

- Pode.

O porteiro olhou atónito para Monte-Cristo.

- E honestidade - acrescentou o conde, como Hamlet.

- Senhor -tornou o porteiro, que não ousava acreditar na sua sorte -, senhor, não compreendo a sua generosidade...

- É fácil de compreender, meu amigo - redarguiu o conde. – Fui marinheiro e a sua história comoveu-me mais do que qualquer outra.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069