O Conde de Monte Cristo - Cap. 77: Haydée Pág. 743 / 1080

Monte-Cristo olhava-a com indefinível expressão de interesse e piedade.

- Continua, minha filha - disse o conde em língua romaica.

Haydée ergueu a cabeça como se as palavras sonoras que Monte-Cristo acabara de pronunciar a tivessem arrancado a um sonho e prosseguiu:

- Eram quatro da tarde. Mas embora o dia estivesse límpido e brilhante lá fora, nós estávamos mergulhados na sombra do subterrâneo.

»Uma única claridade brilhava na caverna, semelhante a uma estrela tremeluzente no fundo de um céu negro: a mecha de Selim. A minha mãe, que era cristã, rezava.

»Selim repetia de vez em quando estas palavras consagradas: "Deus é grande!"

»No entanto, a minha mãe ainda tinha alguma esperança. Ao descer julgara reconhecer o francês que fora enviado a Constantinopla e no qual o meu pai depositava toda a confiança, pois sabia que os soldados do sultão francês eram geralmente nobres e generosos. Minha mãe deu alguns passos para a escada e escutou.

»- Aproximam-se - disse ela. - Oxalá tragam a paz e a vida.

»- Que receias, Vasiliki? - perguntou-lhe Selim, na sua voz tão suave e ao mesmo tempo tão orgulhosa. - Se não trouxerem a paz, dar-lhes-emos a morte.

»E espevitou a chama da lança com um gesto que o assemelhava ao Dionisos da antiga Creta.

»Mas eu, que era tão criança e tão ingénua, tinha medo daquela coragem que me parecia feroz e insensata, e horrorizava-me a morte terrível que pairava no ar e na chama.

»A minha mãe experimentava as mesmas impressões, porque sentia-a tremer.

»- Meu Deus! Meu Deus, mãezinha! - gritava. - Vamos morrer?

»E perante os meus gritos, os choros e as preces das escravas redobravam.

»- Criança - respondeu-me Vasiliki -, Deus te defenda de vires a desejar a morte que hoje temes!

»Depois, baixinho:

»- Selim, qual é a ordem do senhor? - perguntou.

»- Se me enviar o seu punhal, será sinal de que o sultão recusa perdoar-lhe e pego o fogo; se me mandar o seu anel, é porque o sultão lhe perdoa e deixo a pólvora.

»- Amigo - prosseguiu a minha mãe-, quando a ordem do senhor chegar, se for o punhal que enviar, em vez de nos matares a ambas dessa maneira que nos horroriza, estender-te-emos o pescoço e matar-nos-ás com o punhal.

»- Pois sim, Vasiliki - respondeu tranquilamente Selim.

»De súbito, ouvimos como que grandes gritos. Escutámos: eram gritos de alegria. Ouvia-se o nome do francês que fora enviado a Constantinopla repetido pelos nossos palicários. Era evidente que trazia a resposta do Sublime Imperador e que essa resposta era favorável.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069