A Queda de um Anjo - Cap. 31: Capítulo 31 Pág. 177 / 207

Calisto exprimia o seu nojo de tudo aquilo, sorrindo-se. Tirou da algibeira um charuto, e acendeu um fósforo. Eis que a mulher rompeu em mais desentoada choradeira, dizendo:

— O meu homem a fumar!… Que feitiçaria te fizeram, Calisto!…

— De maneira — disse o morgado vencido pela impaciência — de maneira que me recebes com choradeiras, e observações estúpidas, Teodora! Ora acabemos com esta feia comédia, e manda-me preparar jantar, que preciso comer e dormir.

Saiu Teodora cabisbaixa da saleta, e Lopo de Gamboa despediu-se, pedindo-lhe que tolerasse com generosidade as tolices de sua prima, que tudo aquilo nela era rudeza e bondade do coração.

— Bem sei, bem sei… — disse Calisto Elói, e recolheu-se à sua biblioteca, a principiar uma carta, que dizia:

«Minha querida Ifigénia.

Não te asseguro três horas da minha vida, se me disserem que hei-de aqui viver três dias. Não é enojo, é pior, é horror o que me faz tudo isto! Deixa-me pedir coragem ao teu retrato. Ó imagem da filha do meu coração, salva-me, resgata-me, arranca-me deste túmulo! Ó consoladora desta agonia sem nome, vale-me, tem mão nesta vida que me foge…»

Entrou Teodora esbofada de dar ordens, de cortar o presunto, de ir à cesta dos ovos, de andar à pilha da mais gorda galinha.

Correu a abraçar-se outra vez nele com mais possante entusiasmo, enquanto o marido com um braço a cingia ao peito, e com o outro escondia o retrato.

— Meu Calistinho — suspirava a esposa palpitante — meu amado marido, não tornes mais para Lisboa, eu não te deixo sair mais de tua casa!…





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