O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 26: CAPÍTULO XIV Pág. 145 / 245

Por isso aqui estás só! Os que te amaram onde estão? onde estão os que tu amaste? Aqui estás só, vestida com o teu penteador branco, na tua manta de xadrez, sobre o convés de um navio, só, sempre no meio de homens, como na vida! Não há uma flor aqui que se te deite em cima, nem uma renda em que se te envolva a face morta. Morres entre cordagens, no meio de rudes marinheiros, que veem agora da sua ração de aguardente. Nem um padre católico tens que te fale dos anjos, doces camaradas da tua mocidade. Nem um parente, sequer, te comporá a dobra do teu lençol! Não se cantará nenhum responso em volta do teu caixão. Não farás cismar as noivas que te vissem passar no teu enterro. As mãos alcatroadas de velhos marinheiros te arremessarão ao mar!

Pois bem, minha pobre amiga! que importa? Estás na logica do teu destino, que é a revolta. Viveste longe das estreitas conveniências humanas, morres em plena liberdade da natureza.

Não verás o teu leito cercado de parentes ávidos, de criados indiferentes, de padres que te deem os santos óleos bocejando, num quarto escuro e abafado, entre o cheiro dos remédios: morres diante do céu, aos embalos do mar, ao cheiro da maresia, entre velhos marinheiros da India, que te choram, sob o sublime céu, na plena liberdade dos elementos!

Não serás vestida com velhas sedas, não levarás na cabeça antigas coroas fúnebres, não te cobrirão com galões de ouro falso; irás com o teu penteador branco, como para uma alegria nupcial!

Não te pregarão num caixão estreito, nem te apertarão como um fardo; terás o contato das coisas vivas; as lágrimas do mar correrão sobre os teus cabelos; poderás toucar-te de algas; os raios do sol poderão ir procurar-te como antigos amantes dos teus olhos, e a tampa do teu esquife será o infinito azul.





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