O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 28: QUINTA PARTE - AS REVELAÇÕES DE A. M. C.
CAPÍTULO I Pág. 159 / 245

Eu, inteiriçado e embasbacado diante dela, não sabendo como segurar o chapéu e a bengala, na mais flagrante e minuciosa ostentação dos meus defeitos e da minha pobreza incaraterizada e burguesa. Ao lado de quanto nela havia ideal, transcendente, etéreo, ia eu vendo, enormemente avultado e saliente, quanto o meu aspeto oferecia mais baixo e mais vil: o casaco comprado ao barato num algibebe; as botas de duas solas torpemente desformadas e orladas de lama; as calças com umas joelheiras que me dão às pernas na posição vertical o desenho das de um homem que se está sentando; os punhos da camisa amarrotados; e a ponta do dedo máximo da mão direita sujo de tinta de escrever!

Eramos verdadeiramente os antípodas um do outro, postos na mesma latitude pela estupidez do acaso, e separados logo para sempre por aquelas palavras terríveis que me zuniam nos ouvidos como os prenúncios de uma congestão:

«Para o que eu prestar estou sempre às ordens!»

Não sei que estranha atracão amarrava o meu espirito à lembrança da mulher que eu acabava de ver! Não era indefinida simpatia, não era oculto desejo, não era um vago amor. Interrogava-me detidamente, e o único movimento que encontrava no meu coração - sinceramente o confesso - era o do odio. Odio àquela mulher, odio inexplicável, monstruoso, como aquele que imagino ser o de um enjeitado à sociedade em que nasceu!

A distinção aristocrática, a elegância da raça daquela gentil criatura aviltava-me, enfurecia-me, revolvia no meu interior esse fermento de rebelião demagógica que todo o plebeu traz sempre escondido, como uma arma proibida, no fundo da sua alma.

Aquela mulher tinha certamente, um espirito menos culto do que o meu, uma razão menos firme, uma vontade menos forte, um destino menos amplo.





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