O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 28: QUINTA PARTE - AS REVELAÇÕES DE A. M. C.
CAPÍTULO I Pág. 158 / 245

Obrigado a dizer alguma coisa, soltei instintivamente as palavras monstruosas de uma formula que se usa em Viseu, mas que estou bem certo nunca até esse dia tinham sido ouvidas por tal criatura, e que certamente lhe produziram o efeito do grito estridulo de um animal selvagem, escutado pela primeira vez entre matos desconhecidos.

Vergonha eterna para mim! essas palavras, que eu desgraçadamente conservara no meu ouvido de provinciano e que a minha boca deixou bestialmente cair, foram estas:

- Para o que eu prestar estou sempre às ordens.

E dizendo isto, tendo-o ouvido com horror a mim mesmo, voltei rapidamente costas, e afastei-me a passos largos. Ia vexado, envergonhado, corrido, como se tivesse proferido uma obscenidade sacrílega. Dava-me vontade de me meter pelas paredes ou de me sumir pela terra dentro! Não me atrevia a olhar para traz, mas parecia-me que ia envolto em gargalhadas fantásticas, que não ouvia. Figurava-se-me que tudo se ria de mim, os candeeiros, os cães notívagos, as pedras da rua, os números das portas, os letreiros das esquinas, os aguadeiros que passavam uivando com os seus barris, e os caixeiros que pesavam arroz sobre o balcão ao fundo das tendas.

Entrei precipitadamente em casa, subi as escadas, fechei-me por dentro e pus-me a passear às escuras no meu quarto.

Nas trevas apareciam-me iluminadas por um clarão satânico essas duas mãos que pela primeira vez acabavam de se apertar na rua - a minha e a dela - uma trigueira, áspera e quente, a outra branca, nervosa e gelada. Depois entravam a reconstruir-se à minha vista os vultos completos das pessoas.

Ela, de uma palidez ebúrnea, com o perfil melancólico de uma madona a que tivessem levado dos braços o seu bambino, movendo-se molemente entre rendas e cetim com uma ondulação de sereia.





Os capítulos deste livro