O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 28: QUINTA PARTE - AS REVELAÇÕES DE A. M. C.
CAPÍTULO I Pág. 161 / 245

- Pobre mãe, coitada! pensava eu, deitado e embebido nessa longínqua exalação olfática da casa paterna. Coitada de ti, que na simplicidade dos teus juízos julgaste dotar-me com um luxo que faria comoção em Lisboa, orlando-me dois lenções com esta enorme renda longamente trabalhada por ti mesma nos teus bilros infatigáveis! Se soubesses que este paciente lavor das tuas mãos em dois anos de aplicação consecutiva, ninguém aqui o admirou, ninguém o viu, ninguém atentou nele, a não ser a criada, que esta manhã me perguntou, entre risadas sacrílegas, se os padres na minha terra se embrulhavam nos meus lenções em dias de missa cantada! Que importa porém que o não apreciem os outros?… Toda esta gente é má, corruta, perversa! Agradeço-to eu, minha obscura, minha velha amiga. Nos arabescos desta renda, que eu estou apalpando na mão e que tu me consagraste, figura-se-me sentir o correr caprichoso e ondeado das lágrimas que choraste enquanto o vento ramalhava nas árvores, a saraiva estrepitava nas janelas, e tu desvelavas as tuas noites de inverno, resignadamente ajoelhada junto do berço em que rabujava o teu pequeno. Quando sinto no rosto o áspero contato dos teus eriçados folhos bordados, beijo-os piedosamente, beijo-os eu, como se fosse um anjo bom que me tocasse com a ponta das suas azas purificadoras e brancas!

Mas além do cheiro do bragal, que me envolvia como um afago mandado de longe, havia na minha cama outro perfume que contrastava singularmente com este. Era o que aromatizava a pele daquela mulher desconhecida, e que me ficara na mão que ela apertou. Respirei-o com uma curiosidade irritante, que me pungia e me dilacerava. Ai de mim! colei os lábios na mão aberta sobre o meu rosto, e comecei a sorver esse misterioso respiro de um paraíso ignoto e longínquo.





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