O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 31: CAPÍTULO IV Pág. 172 / 245

Tinha os lábios entreabertos como os de quem vai soltar um grito, e o queixo trêmulo oscilava-lhe como o das crianças subjugadas pelo terror no instante de lhes rebentar o choro. Por fim disse-me lentamente, com palavras pesadas, firmes, entrecortadas, como se estivesse retalhando o coração e dando-mo em bocados!

- Peço-lhe que não me condene pelas primeiras palavras que vai ouvir.

E, em voz baixa, depois de um breve silêncio, acrescentou:

- Eu matei um homem.

- Que diz?! gritei eu estupefato. Está louca! enlouqueceu!

- Não. Não estou louca, disse ela grave e serenamente. Não enlouqueci ainda. E admiro isto. Como têm decorrido estas horas, minuto por minuto, segundo por segundo, sem que a minha razão sucumbisse nesta desgraça infinita, sem remedio, sem termo, sem remissão! Matei um homem… Involuntariamente, sim, mas matei-o. Quero entregar-me aos tribunais, estou pronta, estou deliberada. Estendendo os olhos ao meu futuro, não vejo senão uma esperança, senão um lenitivo único no prazer de morrer em tormentos, que eu abençoarei como os maiores benefícios do céu, de morrer de fome, de desprezo, de miséria, prostrada no fundo de uma enxovia, no porão de um navio, ou abandonada num a praia da Africa, abrasada pelo sol, sobre as areias ardentes, roída pelo cancro, devorada pela sede e pela febre. Por mim uma só coisa temo: a loucura que um momento na minha vida me consinta a alegria horrível de pensar que ainda sou amada e feliz; ou a morte repentina que me arrebate a consolação única que Deus concede aos grandes culpados: a liberdade de sofrer. Mas ele… O seu nome descoberto! o seu cadáver profanado! o seu segredo traído!…

E falando, como num sonho, abstratamente:

- Desventurado homem! que fatal destino o encaminhou





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