O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 31: CAPÍTULO IV Pág. 173 / 245

para mim arremessando-o, de encontro ao meu coração, em que estava a sua morte? Porque não amou outras mulheres que o mereciam mais do que eu? Porque não se deixou amar por Carmen Puebla, que o adorava e que morreu por ele? Que cego, que imprudente, que desgraçado que foi!…

E escondendo a face nas mãos, desatou a chorar num choro convulso e desfeito, em que a vida parecia despedaçar-lhe o seio e jorrar para fora em borbotões de lágrimas e de soluços.

- Vamos, - disse-lhe eu quando esta crise abrandou, - serenemos um momento, e pensemos no que importa fazer. É então positivo que o conde está morto?

- O conde?… interrogou ela, erguendo-se de súbito e enxugando os olhos. Sim, tem razão, eu ainda lhe não disse tudo… O homem que eu matei não é meu marido.

E, postando-se em frente de mim, fitou-me com um olhar alucinado, e acrescentou com voz demudada e profunda:

- É o meu amante.

Em seguida ficou imóvel, esperando as minhas palavras na postura de um reu que vai escutar a sentença da boca de um juiz.

A sensação que experimentei ao ouvir essa confissão breve, seca, inesperada, foi a da surpresa primeiro, de uma instintiva repulsão depois. Ergui-me maquinalmente e dei alguns passos na casa. A condessa permanecia na mesma posição, numa insensibilidade que tanto podia ser a prostração do arrependimento como o cinismo da culpa. Eu estava surpreendido e revoltado. Aquela mimosa e pura estátua, à qual eu levantara quase um altar no meu coração, assim repentinamente baqueada num lamaçal, causava-me horror. Poderia suporta-la criminosa; não podia considerá-la prostituída. Medi-a com um olhar em que senti dardejar o desprezo que ela nesse momento me inspirava, e depois de um silêncio repassado de mágoa:

- É horrível isso!

Ela estremeceu, cerrou desfalecidamente os olhos e amparou-se vacilante ao espaldar de uma cadeira.





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