- Estranha talvez a lástima e o horror que me causa? insisti eu. É natural. Tendo ouvido que em Lisboa, a sociedade vê benevolamente essas quedas como incidentes triviais da existência domestica. Eu porém que sou um selvagem, eu que me criei no principio de que a fidelidade é no carater de uma mulher um dever tão sagrado como a honra no carater de um homem, eu protesto, em nome das únicas mulheres que a minha inexperiência me tem permitido conhecer no mundo - em nome daquela que me gerou e em nome daquela que eu amo - contra semelhante interpretação da liberdade de amar. Não compreendo que caia em tal erro uma pessoa limpa. O adultério é uma indecência e uma porcaria. Matar um homem em tais circunstâncias, é mais do que faltar ferozmente ao respeito devido à inviolabilidade da vida humana; é faltar igualmente ao respeito da morte… É atirar um cadáver a um cano de esgoto… É trágico - e coisa ainda mais horrível - é sujo…
Ela escutava-me em silêncio, extática, como hipnotizada pela minha instintiva mas cruel grosseria.
De repente, sem uma exclamação, sem um grito, sem um gesto, caiu desamparadamente no chão, fulminada, inerte, como se estivesse morta.
Quis chamar alguém, ia a tocar no botão de uma campainha quando me ocorreu a inoportunidade de qualquer intervenção nesta CENA. Fui para ela, que ficara estirada de costas sobre o tapete. Levantei-lhe a cabeça. Não lhe senti o pulso. Ergui-a em peso, tomei-a nos meus braços. A cara dela pendeu sobre o meu ombro, ficando perto dos meus lábios a sua face desmaiada.
Aproximei-me de um sofá. Depois, por um sentimento supersticioso de respeito, coloquei-a numa cadeira de braços, e corri aos aposentos contíguos àquele em que estávamos. O quarto próximo era um gabinete de vestir.