O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 43: CAPÍTULO X Pág. 232 / 245

Podia aproximar-me dele de repente, enfraquece-lo ao calor das minhas palavras, ir levemente, astuciosamente, arrebatar-lhe a carteira, saltar, correr, atirar-me para o fundo do meu coupé, e fugir. Mas se ele resistisse? Se perdesse a consciência da sua dignidade e da humilde debilidade do meu ser? Se me sujeitasse violentamente, se me arrancasse outra vez as cartas?

Não podia ser. Era necessário que dormisse tranquilamente! Se as cartas fossem inocentes, simples, inexpressivas como eu ajoelharia depois, ao pé do seu corpo adormecido, como esperaria com uma anciã feliz que ele acordasse! que aurora sublime acharia ele nos meus olhos quando os seus se abrissem! Mas se tivesse nas cartas a culpa, a traição, o abandono?!

Levantei-me. Ritmel tinha ao pé de si um copo com água. Bebia aos pequenos golos quando fumava. Eu deixava-o fumar. Mas eu não sabia como havia de achar um momento meu, bastante para deitar duas gotas de ópio no copo.

Tive um expediente trivial, estupido.

- Ritmel, disse eu, como num teatro, como nas comédias de cribe, com uma voz imbecilmente risonha, - vá dizer a Bety, que pode ir, se quiser. A pobre criatura dormiu pouco, está doente.

Ele saiu; ergui-me. Mas ao aproximar-me da mesa, em frente do copo, fiquei hirta, suspensa. Estive assim um tempo infinito, segundos, com a mão convulsa apertando o frasco no bolso. Mas era necessário, eu tinha-o ouvido falar, voltava, sentia-lhe os passos, ia entrar… Tirei o frasco, e louca, precipitada, mordendo os beiços para não gritar, esvaziei-o no copo.

Ele entrou. Eu deixei-me abater sobre uma cadeira, trémula em suor frio, e, não sei por quê, sentindo uma infinita ternura, disse-lhe sorrindo, e quase chorando:

- Ah, como eu sou sua amiga! Sente-se ao pé de mim.





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