O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 2: PRIMEIRA PARTE - EXPOSIÇÃO DO DOUTOR
CAPÍTULO I Pág. 7 / 245

redator. Evidentemente. Parece que a vida, mesmo no caminho de Sintra, pode às vezes ter o capricho de ser mais romanesca do que pede a verosimilhança artística. Mas eu não faço arte, narro fatos unicamente.

F…, vendo o seu cavalo subitamente seguro pelas cambas do freio, tinha obrigado a larga-lo um dos desconhecidos, em cuja cabeça descarregara uma pancada com o cabo do chicote, o qual o outro mascarado conseguira logo depois arrancar-lhe da mão.

Nenhum de nós trazia armas. O meu amigo tinha no entanto tirado da algibeira a chave de uma porta da casa de Sintra, e esporeava o cavalo estirando-se-lhe no pescoço e procurando alcançar a cabeça daquele que o tinha seguro.

O mascarado, porém, que continuava a segurar numa das mãos o freio do cavalo empinado, apontou com a outra um revolver à cabeça do meu amigo e disse-lhe com serenidade:

- Menos fúria! Menos fúria!

O que levara com o chicote na cabeça e ficara por um momento encostado à portinhola da carruagem, visivelmente atordoado mas não ferido, porque o cabo era de baleia e tinha por castão uma simples guarnição feita com uma trança de clina, havia já a este tempo levantado do chão e posto na cabeça o chapéu que lhe caíra.

A este tempo o que me derribara o cavalo e me ajudara a levantar tinha-me deixado ver um par de pequeninas pistolas de coronhas de prata, daquelas a que chamam em França coups de poing e que varam uma porta a trinta passos de distância. Depois do que, me ofereceu delicadamente o braço, dizendo-me com afabilidade:

- Parece-me mais cómodo aceitar um lugar que lhe ofereço na carruagem do que montar outra vez no cavalo ou ter de arrastar a pé daqui à farmácia da Porcalhota a sua perna magoada.

Não sou dos que se amedrontam mais prontamente com a ameaça feita com armas.





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