A primeira ideia do conde foi crer numa artimanha de ladrões, cilada grosseira que lhe indicava um perigo medíocre para o expor a um perigo mais grave. Ia portanto mandar levar a carta a um comissário de polícia, apesar da recomendação e talvez mesmo por causa da recomendação do amigo anónimo, quando de súbito lhe ocorreu que se poderia tratar, com efeito, de algum inimigo especial seu, que só ele pudesse reconhecer e de quem, se assim fosse, só ele poderia tirar partido, como fizera Fieschi com o mouro a quem quisera assassinar. Já conhecemos o conde; não necessitamos portanto de dizer que era um espírito cheio de audácia e vigor que se obstinava contra o impossível com essa energia exclusiva dos homens superiores.
Pela vida que levava e pela decisão que tomara e que lhe impunha não recuar diante de nada, o conde saboreara já prazeres desconhecidos nas lutas que por vezes travara com a natureza, que é Deus, e com o mundo, que pode muito bem passar pelo Diabo.
- Não querem roubar os meus documentos - murmurou Monte-Cristo -, querem matar-me. Não são ladrões, são assassinos. Não quero que o Sr. Prefeito da Polícia meta o nariz na minha vida. Sou suficientemente rico para arcar com as despesas e não agravar com isto o orçamento da sua administração.
O conde chamou Baptistin, que saíra da sala depois de entregara carta.
- Vai voltar a Paris e trazer para aqui todos os criados que lá ficaram - ordenou. - Necessito de todo o pessoal em Auteuil.
- Mas não ficará ninguém na casa, Sr. Conde? -perguntou Baptistin.
- Sim, ficará o porteiro.
- O Sr. Conde não se esqueça de que do cubículo à casa ainda é longe...
- E então?
- Então, poderiam roubar toda a casa sem que ele ouvisse o mais pequeno ruído.
- Quem?
- Quem?... Os ladrões!
- É muito simplório, Sr. Baptistin. Se os ladrões me roubassem toda a casa nunca me ocasionariam a contrariedade que me ocasionaria um serviço mal feito.
Baptistin inclinou-se.
- Como lhe disse - prosseguiu o conde -, traga todos os seus colegas, do primeiro ao último. Mas que tudo fique no estado habitual. Feche apenas as persianas do rés-do-chão; mais nada.
- E as do primeiro andar?
- Bem sabe que nunca se fecham. Vá.
O conde informou que jantaria sozinho nos seus aposentos e que só queria ser servido por Ali.
Jantou com a sua tranquilidade e sobriedade habituais e depois do jantar fez sinal a Ali para o acompanhar, saiu pela portinha, alcançou o Bosque de Bolonha como se passeasse, tomou sem afectação o caminho de Paris e ao cair da noite encontrou-se diante da sua casa nos Campos Elísios.