O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 36: CAPÍTULO III Pág. 201 / 245

O meu marido é um homem honesto e trabalhador. Cansa-se, luta, prodigaliza-se: logo de manhã sai para o seu escritório, ou para o seu jornal, ou para o seu ofício, ou para o seu ministério; cércea o seu sono, almoça à pressa, quebra o seu descanso. Todo ele é atenção, vigília, trabalho, sacrifício. Para quê?

Para que os nossos filhos tenham uns bibes brancos, e uma ama asseada; para que as minhas cadeiras sejam de estofo e não de pau; para que os meus vestidos sejam de seda e talhados na Marie, e não de chita e cosidos pelas minhas mãos, de noite, a um candeeiro amortecido.

Meu marido é um homem honesto, simpático, serio, afável. Não usa pós de arroz, nem brilhantine, não tem gravatas de aparato, não tem a extrema elegância de ser moço de forcado, não escreve folhetins; trabalha, trabalha, trabalha! Ganha com o seu cansaço, com os seus tédios, em horas pesadas e longas, o jantar de todos os dias, o vestuário de todas as estações. A sua consolação sou eu, o centro da sua vida sou eu, o seu ideal e o seu absoluto sou eu! Não faz poemas românticos, porque eu sou o seu poema íntimo, a musa dos seus sacrifícios; não tem aventuras porque eu sou a sua esposa; não tem viagens gloriosas pelos desertos nem o prestígio das distâncias, porque o seu mundo não é maior do que o espaço que enche o som da minha voz; não ganhou a batalha de Sadowa mas ganha todos os dias a terrível e obscura batalha do pão dos seus filhos…

É justo, é bom, é dedicado. Dorme profundamente porque o seu cansaço é legítimo e puro; gosta da sua robe de chambre porque trabalhou todo o dia. Julga-se dispensado de trazer uma flor na boutoniére porque traz sempre no coração a presença da minha imagem.

Pois bem! que faço eu?

Aborreço-me.

Logo que ele sai, bocejo, abro um romance, ralho com as criadas, penteio os filhos, torno a bocejar, abro a janela, olho.





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