Calafrio - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 104 / 164

Fui-me embora. Atravessei o átrio da igreja e, sempre mergulhada em profundos pensamentos, refiz o percurso que, passando pelo parque, me levara à igreja. Quando cheguei a casa, tinha a certeza absoluta de que optaria pela fuga. A calma característica dos domingos com que fui recebida na casa vazia fez nascer em mim um sentimento de oportunidade. Quanto mais depressa dali saísse, maiores as possibilidades de partir sem uma cena, uma única palavra. Contudo, a rapidez era um factor-chave, e havia ainda que resolver o problema do transporte. Uma vez no vestíbulo, preocupada com tantas dificuldades e obstáculos, lembro-me de me sentar nos primeiros degraus da escada, depois do que, com um calafrio, percebi estar no local exacto onde, há apenas um mês, envolta nas trevas e tão atormentada quanto eu, fora confrontada com o espectro da mais terrível das mulheres. Bastou aquilo para me levantar de um salto. Subi os degraus e, agitadíssima, entrei na sala de aulas, já que ai se encontravam alguns objectos que me pertenciam e que fazia questão de levar comigo. Porém, bastou-me abrir a porta para descobrir que os meus olhos voltavam a abrir-se, e, perante o espectáculo que me foi dado contemplar, foi como se todas as minhas resistências se quebrassem.

Sentada à minha secretária, bem iluminada pela claridade do meio-dia, estava uma pessoa que, não fora a minha experiência, poderia ter tomado por alguma criada que não tivesse ido à igreja para ficar a cuidar da casa e, sabendo-se longe de olhares indiscretos e junto a uma secretária carregada de papel e canetas, resolvera entregar-se ao considerável esforço de escrever uma carta ao namorado. Apercebi-me de que havia sinais de cansaço na sua posição: os braços pousados na mesa, a cabeça apoiada nas mãos, Mas reparei que, indiferente à minha entrada no aposento, a atitude daquela mulher não sofria qualquer alteração.





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