Calafrio - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 147 / 164

Para deixar bem claro como eu queria que a casa funcionasse, ordenei que servissem as minhas refeições e do garoto no piso inferior. E foi precisamente lã que o esperei, naquela sala pomposa onde, num domingo já distante, o olhar assustado de Mrs. Grose me levara a compreender haver ali qualquer coisa de estranho. De momento, as coisas estavam a correr conforme os meus desejos, e voltei a sentir que, para não perder o equilíbrio, era forçoso mostrar-me inflexível, fechar os olhos à noção de que aquilo com que era obrigada a lidar era perfeitamente monstruoso, algo que ia contra todas as leis da natureza. Apenas me salvaria se conseguisse fazer que a natureza «passasse» para o meu lado, tratando esta monstruosa provecto como um mero e desagradável desvio da ordem natural das coisas. Ainda assim, sabia que teria de agir com a maior das cautelas. Como abordar semelhante questão sem fazer qualquer referência ao sucedido? E, por outro lado, como poderia fazer-lhe referência sem arriscar um novo mergulho naquilo que unha de odioso? Acabei por vislumbrar um pouco de luz neste autêntico emaranhado, ao compreender aquilo que havia de raro no meu jovem companheiro. Era como se, mesmo nesta altura — tal como já tantas vezes sucedera no decorrer das lições —, ele arranjasse sempre um estratagema destinado a fazer-me sair de um modo airoso das situações mais difíceis. Não existiria uma esperança no facto de se tratar de uma criança especial, dotada de uma inteligência espantosa? Para que outro fim lhe fora concedido semelhante dom sendo para o salvar?

Seria mesmo necessário ser-se duro com ele para aceder à sua mente? Quando nos fitámos à hora do jantar, senti que ele me mostrava o caminho a seguir.





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