Calafrio - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 72 / 164

Fiquei à escuta por um momento, lembrando-me da vaga sensação que de mim se apoderara na primeira noite, de que havia algo de estranho a passear pela casa, e notei o sopro suave da brisa que, esgueirando-se por entre a abertura do caixilho, fazia mover o cortinado. De seguida, dando mostras de uma deliberação que por certo teria deixado qualquer observador de boca aberta, pousei o livro, pus-me de pé e, depois de pegar numa das velas, abri a porta do quarto, passei para o corredor, onde a luz que segurava pouco ou nenhum efeito causava, e fechei a porta sem produzir o mais pequeno ruído.

Sou incapaz de dizer que forças me puseram em movimento e me guiaram, mas o certo é que segui directamente para o vestíbulo, tratando sempre de segurar a vela bem alto, até que avistei a janela que indicava estar a aproximar-me da curva que levava às escadas. Foi então que me apercebi de três coisas que, e embora tenham sucedido quase em simultâneo, me foram reveladas como que em sucessão. Devido a um qualquer sopro mais forte, a vela acabara por apagar-se, mas a luz desmaiada do dia, que começava a despontar e que se infiltrava pela janela, compensava esta falta. No minuto seguinte, compreendi que se encontrava uma figura nas escadas. Escusado será dizer que apenas necessitei de alguns segundos para me preparar para aquele que seria o meu terceiro encontro com Quint. A aparição encontrava-se sensivelmente a meio do primeiro lance, ou seja, no local mais próximo da janela, e, ao dar-se conta da minha presença, de pronto se imobilizou, fixando-me com a mesma intensidade com que me fixara quando, estava ele então na torre, os seus olhos se cruzaram com os meus. Aquele homem conhecia-me tão bem quanto eu o conhecia a ele, e, à luz pálida do amanhecer, um toque luminoso na vidraça, outro na madeira de carvalho de um dos degraus, fitámo-nos com curiosidade. Naquele momento, o homem era, sem qualquer margem de dúvida, uma presença viva, detestável e perigosa. Porém, esse estava longe de constituir o maior dos milagres, já que reservo tamanha honra para uma outra circunstância: o facto de o medo me ter abandonado por completo, o que me permitia observar e avaliar claramente aquela figura.





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