Creio ser legítimo concluir que existe sempre um grão de ingenuidade em todas as formas de diplomacia, mas, se os meus pupilos exploravam esta faceta do meu carácter, não o faziam de forma óbvia nem vulgar. De facto, foi só passado algum tempo que a vulgaridade voltou a fazer-se sentir naquela casa.
Sinto uma vontade imensa de parar por aqui, mas é meu dever mergulhar de uma vez por todas e levar esta narrativa até ao fim. É que, ao registar o que de terrível se passou em Bly, não me limito a desafiar o mais liberal dos leitores, facto que, em abono da verdade, pouco me interessa, mas — e isto é algo de completamente diferente — forço-me a reviver o que sofri, obrigo-me a descer ao mais fluido dos infernos. Quando o pesadelo terminou, recordo-me de haver um momento em que, ao olhar para trás, tudo aquilo me pareceu uma autêntica agonia. Porém, se o caminho me conduziu até aqui, o melhor será mesmo prosseguir. Certa noite, sem que nada o fizesse prever, voltei a sentir aquela estranha sensação que de mim se apossara na noite em que cheguei àquela casa e que, caso a minha estada em Bly tivesse sido menos agitada, por certo há muito teria esquerdo. Não me deitara, antes preferindo sentar-me a ler à luz das velas. Bly possuía uma sala recheada de livros — quase todos romances do século passado, que, embora não sendo de grande valor, salvo uma ou outra excepção, haviam acabado por despertar a minha curiosidade juvenil. Quando penso naquela noite, lembro-me de que o livro que tinha entre mãos era uma obra da autoria de Fielding, Amelia, e que eu não podia estar mais desperta. Lembro-me ainda de ter a certeza de que era muito tarde, mas que, apesar disso, me recusava a olhar para o relógio. Acabei por fixar o olhar na cortina branca que, pendurada por sobre a caminha da pequena flora, de acordo com a moda em vigor na época, resguardava (e tivera o cuidado de me assegurar disso) a perfeição daquele sono infantil. Recordo ainda que, embora a obra estivesse a interessar-me bastante, bastou-me virar uma página para que o encanto se desvanecesse e eu cravasse os olhos na porta.