Calafrio - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 92 / 164

A propriedade, recortando-se contra um céu cinzento e recheado de grinaldas murchas, espaços vazios e um bom número de folhas secas espalhadas pelo solo, assemelhava-se a uma sala de teatro depois da repredas condições de som e silêncio, de toda uma série de pequenas coisas que me faziam recuar àquele dia de Junho em que, ao passear no relvado, vira Quint pela primeira vez, ou àquele outro momento em que, depois de o ver através da janela, o procurara debalde no meio dos arbustos. Reconhecia as marcas, os sinais — reconhecia o momento, o lugar. Contudo, nada via ou ouvia, e eu fui deixada em paz, se é possível dizer que uma jovem cuja sensibilidade se agudizara extraordinariamente ao invés de diminuir podia estar em paz. Quando falara com Mrs. Grose a respeito daquela cena horrível envolvendo Flora e o fantasma de Miss Jessel parado na margem aposta do lago, dissera-lhe — deixando-a perplexo — que, a partir daquele instante, o pior que me podia acontecer prendia-se com a possibilidade de perder os meus poderes, nunca de os conservar. O certo é que expressará aquilo que, de facto, pensava. A verdade é que, quer as crianças vissem quer não — já que nada ficara provado a este respeito —, e como garantia, eu preferia saber o que se passava, preferia participar, nem que fosse de forma passiva, no ocorrido. Mostrava-me preparada para enfrentar o pior. O que eu mais receava era que os meus olhos deixassem de ver enquanto os dos garotos continuassem a consegui-lo. Bom, o certo é que, de momento, os meus olhos estavam fechados, algo que seria uma autêntica blasfémia não considerar uma graça de Deus. Mas era difícil agradecer-lhe semelhante bênção com toda a força da minha alma quando eu estava convencida de que os meus pupilos tinham agora o «privilégio» exclusivo da visão.





Os capítulos deste livro