E tirou o diamante da algibeira, abriu o estojo e fê-lo brilhar nos olhos deslumbrados de Caderousse.
- Anda ver, mulher! - disse o estalajadeiro, com voz rouca.
- Um diamante! - exclamou a Carconte, levantando-se e descendo com passo bastante firme a escada.
- Que diamante é esse?
- Não ouviste, mulher? - disse Caderousse. - É um diamante que o pequeno nos legou: ao pai, em primeiro lugar, e depois aos seus três amigos, Fernand, Danglars e eu, e a Mercédès, sua noiva. O diamante vale cinquenta mil francos.
- Oh, que linda jóia! - exclamou a mulher.
- Pertence-nos então a quinta parte dessa importância? - perguntou Caderousse.
- Pertence - respondeu o abade. - Mais a parte do pai de Dantès, que me julgo autorizado a repartir pelos quatro.
- E porquê pelos quatro? - perguntou a Carconte.
- Porque são os quatro amigos de Edmond.
- Os amigos não são aqueles que atraiçoam! - murmurou surdamente, por sua vez, a mulher.
- Claro, claro - acrescentou Caderousse. - Era exactamente o que eu dizia. É quase uma profanação, quase um sacrilégio, recompensar a traição, o crime talvez.
- Vocês assim querem... - redarguiu tranquilamente o abade, voltando a guardar o diamante na algibeira da sotaina. – Agora dêem-me as moradas dos amigos de Edmond, a fim de poder executar as suas últimas vontades.
O suor corria em grandes gotas pela testa de Caderousse. Viu o abade levantar-se e dirigir-se para a porta, como que para deitar uma olhadela ao cavalo, e voltar.
Caderousse e a mulher entreolhavam-se com expressão indizível.
- O diamante seria inteirinho para nós - disse Caderousse.
- Achas - respondeu a mulher.
- Um padre não viria aqui para nos enganar.
- Faz como quiseres - disse a mulher. - Quanto a mim, não me meto nisso.
E retomou o caminho da escada, sempre tiritando. Batia os dentes, apesar do calor escaldante que fazia.
No último degrau parou um instante.
- Pensa bem, Gaspard! - aconselhou ao marido.
- Estou decidido! - respondeu Caderousse.
A Carconte reentrou no quarto suspirando. Ouviu-se o soalho ranger-lhe debaixo dos pés até chegar à poltrona, onde se sentou pesadamente.
- Está decidido a quê? - indagou o abade.
- A dizer-lhe tudo - respondeu o estalajadeiro.
- Na verdade, parece-me que é o melhor que tem a fazer - concordou o padre. - Não porque me interesse saber as coisas que me queria esconder; mas enfim, se puder ajudar-me a distribuir os legados de acordo com os desejos do testador, será melhor.