— Fie-se lá a gente! — monologou o deputado. — É preciso cuidado com os clássicos a respeito da água de Lisboa.
E, prosseguindo na leitura, encontrou confirmada a maravilha de se afinarem as vozes com o uso da água do chafariz de El-Rei, por estes termos:
«É causa das boas vozes dos músicos naturais de Lisboa, ou que nela moraram, que tanto lustram em sua real capela, e na corte de Madrid, conventos e igrejas catedrais deste reino e do de Castela: excelência que também se acha nas mulheres, cuja feminina voz enleva os sentidos, como se experimenta ouvindo cantar as religiosas dos mosteiros desta cidade, em que mais parece se ouvem os coros de anjos que vozes humanas.»
À primeira vez que saiu, andou Calisto em demanda dos conventos de freiras, e das festividades de cada um. Disseram-lhe, em face de um repertório, que a mais próxima festa era, no domingo imediato, em Santa Joana. Foi Calisto à festa para ouvir cantar as freiras. Não lhe pareceu cantoria o que ouviu: eram três narizes roufinhando destoantes. Calisto saiu do templo, foi ao parlatório, chamou a madre-porteira, e disse-lhe, com a sua candura de bom homem, que recomendasse às senhoras cantoras a água do chafariz de El-Rei. A madre ficou passada do disparate, e voltou-lhe as costas.
Como quer que o morgado da Agra de Freimas não fosse homem que estudasse as matérias perfunctoriamente, quis esquadrinhar a respeito das águas toda a substância deste importante elemento.
Decepções sobre decepções!