O que são comédias? Responda por mim o eminente moralista e mais que todos vernaculíssimo escritor: «Os assuntos das comédias pela maior parte são impuros, cheios de lascivos amores, de galanteios profanos, de papéis amorosos, de rondas, passeios, músicas, dádivas, visitas, solicitações torpes, finezas loucas, empenhos desatinados, quimeras, empresas impossíveis, que as solicita ordinariamente um criado, uma mulher terceira, uma chave, um jardim, uma porta falsa, um descuido do pai, ou do irmão, ou do marido da dama, e tudo isto costuma parar em uma comunicação desonesta, em um incesto, ou em um adultério, em que há muitos lances torpes, louvores lisonjeiros da formosura, expressões afectadas de amor, promessas de constância, sustos, desesperações, e em suma, uma gentílica idolatria, ajustada pontualmente às infames leis de Vénus e Cupido, e aos torpes documentos de Ovídio no livro de
Arte amandi.»
Vozes da galeria: Muito bem! Bravo! (Espirram as risadas de vários sujeitos. Gargalhada compacta.)
O orador — Sr. presidente! Eu irei contar aos povos que me aqui mandaram as gargalhadas com que fui recebido no seio da representação nacional, porque ousei dizer que um país carregado de dívidas não instaura divertimentos atentatórios dos bons costumes com o dinheiro da Nação. Irei dizer aos meus constituintes que se desfaçam das arrecadas e cordões de suas mulheres e filhas, para enfeitarem as gargantas despeitoradas das Lucrécias Bórgias que custam quarenta libras por noite!…
Sr. presidente, nossos avós, os coevos de el-rei D. Manuel e D. João III, tiveram teatros.