Ângela sentiu-se transida de compaixão de seu pai, que ela tinha conhecido onze anos antes ainda vigoroso, posto que encanecido. Escreveu-lhe. De sua vida nada lhe contava. Oferecia-lhe o seu braço para amparo, os seus olhos para ver por eles, o seu coração de filha para urna das lágrimas espremidas pela saudade e memórias dos seus afetos de moço feliz, com todas as alegrias do mundo a cortejá-lo.
O general ouviu ler a carta ao seu mordomo, e disse:
- Cuidei que era morta... Morta está decerto...
E não respondeu.
Aquela carta redobrou-lhe o tormento da memória ao ancião. Maria d’Antas relampagueava-lhe amiúde diante dos olhos de alma; e ele circunvagava os do rosto para afastar a imagem formidável com a diversão de outras; mas... não via! Apenas tinha olhos para chorar.
- Por que não chama vossa excelência para si sua filha? - dizia-lhe um dia o mordomo, com a liberdade de quarenta anos de servo.
- E quem te disse que ela é minha filha?
O mordomo calava-se.
- Quem te disse que ela era minha filha? - insistia o general esbugalhando os olhos cinzentos e nublosos.
- Pensei, senhor...
- Parece-se comigo?
- Não, senhor, é o rosto de sua mãe.
- Muito parecido? Já me não recordo de Ângela...
- Tal qual. Quando aqui esteve, há sete anos, era como a fidalga d’Antas quando... morreu.
- Vai-te... deixa-me... - rugiu o cego, gesticulando vertiginosamente.