- Então quem diabo os roubou?
- Mandei-os eu vender.
- Tu?! P’ra quê? O dinheiro deles que lhe fizeste? - exclamou o marido, fazendo ambos os pés atrás, e tressuando novos repuxos de aflito suor. - Tu mentes, Ângela! Dizes isso para livrar a criada, não é verdade?
- A verdade é que Vitorina está inocente. Castiga-me a mim, se queres, que os brilhantes foram vendidos por minha ordem - tornou ela com admirável serenidade.
- Que fizeste ao dinheiro, tu? - ululou Fialho, sopesando com as mãos o arquejar do abdome.
- Gastei-o.
- Em quê? Não tinhas o que te era necessário?!
- Tinha; mas... gastei o dinheiro...
- Com quem? com quem? - tornou a perguntar. - Com dez milhões de diabos, com quem gastaste um conto e seiscentos e ...
- Não foi em coisas que me desonrassem, nem a ti...
- Então diz em que foi?
- Não posso.
- Não podes? Raios!... pois não podes? Então quem é que pode?
- Não posso.
- Arrebento! Tu não me cegues, mulher! Olha que eu já te não vejo nem enxergo! Com quem gastaste um conto e seiscentos e...
- Mata-me que te perdoo a morte - volveu ela tranquilamente. - Morrerei sem remorsos nem vergonha. As jóias de minha mãe valem quatro a cinco contos de réis. Faz de conta que estás pago do roubo que te fiz: lá as tens.
- A história não é essa, não é o dinheiro... - replicou briosamente o marido. - O que se quer saber é a quem deste o capital?
- A quem o precisava para não ser infeliz.
- Essa é boa! Então deste um conto e seiscentos e cinquenta mil réis de esmola?
- Dei.
- Mas a quem? a quem? com dez milhões de...
- Não te posso dizer mais nada, Hermenegildo... A criada está inocente. Não a prendas.
- Há de ir presa até dizer a quem deste o dinheiro
- Ela morrerá sem o dizer.
- Pois há de morrer.