Vi-a convalescer sob os meus cuidados: D. Nicazio tinha ido para Sicília. Sustentei os primeiros passos que ela deu no seu quarto, extremamente magra, com o olhar quebrado, uma transparência mórbida na fisionomia, e a imaginação doente.
Começou logo a entregar-se a longas orações, a leituras piedosas. O seu intento era entrar num convento em Espanha, e ali, matar o seu corpo na penitência e na dor. Passava agora os dias nas igrejas. Estava mudada nos seus hábitos e nas suas maneiras. A sua beleza mesmo tomava uma expressão ascética. Tinha-se verdadeiramente desligado do mundo. às vezes olhava-me, e dizia de repente, lembrando o convento:
- É triste! Aos vinte e oito anos!
Mas a exaltação religiosa retomava-a, e então perdia-se em esperanças, ideias de uma redenção pela oração, pelo jejum, pelo silêncio e pela contemplação. Naquele espirito visitado por todas as paixões, e sempre numa vibração exaltada, entrava pelo seu turno o sombrio catolicismo espanhol, e vendo o lugar deserto das outras ideias do mundo, acampava lá serenamente.
Um dia pediu-me para ir ver Ritmel antes de partir para Espanha.
- É como irmã da caridade que o quero ver!
Levei-a a casa de Ritmel, uma noite. O quarto estava mal alumiado pela desmaiada luz de velas de stearina. A palidez de Ritmel era dolorosa sobre a brancura do seu travesseiro. Carmen entrou, arremessou-se de joelhos ao pé da cama dele, tomou-lhe uma das mãos e ficou ali soluçando longo tempo. Ritmel chorava também.
Eu tinha-me encostado à parede, e sentia invadir-me uma tristeza, profunda e insondável como a noite. Um vizinho, cuja janela abria para o estreito pátio, para onde dava também uma janela de Ritmel, tocava nesse momento na sua rebeca, com uma melancolia plangente, a valsa do Baile de mascaras, que, sendo doce e tenebrosa, desperta não sei que ideias de festa e de morte, de amor e de claustro.