Nicazio o recebesse à sua volta da Sicília. Deixava-lhe tudo.
Depois foi silenciosamente ao espelho, tirou uma rede da cabeça e o seu imenso cabelo caiu, quase até ao chão, em grossos anéis, esplendido, forte, imenso, e de uma poesia sensual.
Tomou uma tesoura, e febrilmente, a grandes golpes, abateu aquelas tranças admiráveis, que teriam sido uma glória pública no tempo da Grécia.
Eu estava absorto pela beleza, magoado com o desastre. Parecia-me já aquilo o começo do claustro.
Carmen apanhou o cabelo caído, embrulhou-o num lenço, e, entregando-mo, disse:
- Guarde essa lembrança. É a verdadeira Carmen, a outra que eu lhe deixo aí. Agora peço-lhe uma derradeira coisa. Prepare tudo e leve-me a Cádis. Amanhã… é possível?
- Amanhã não; mas dentro de uma semana, juro-lho, teremos visto do mar as montanhas de Valencia.
Ela no entanto passava rapidamente as mãos pelos cabelos, dando-lhes uma feição masculina. Era encantadora assim. A sua beleza tomava uma expressão ingénua de um extraordinário mimo. Ela sorria ao espelho, eu olhava-a, e via, entre as duas luzes, a sua imagem, como num leve vapor azulado e luminoso. Ela, lentamente, esquecida, tinha tomado o pente e compunha o jeito do cabelo. Eu por traz dela sorria. Ela, no enlevo do espelho, na surpresa de se achar linda com o cabelo cortado, sorria também. Parecia-me ver-lhe as faces tomarem a cor da vida e o seio a ondulação das paixões. Ia dizer-lhe alguma coisa doce, chama-la ao mundo… De repente arremessou o pente, e curvando a cabeça, foi silenciosamente ajoelhar diante de uma cruz grande, que havia junto do seu leito, e sobre a qual agonizava um cristo com a cabeça pendente, a testa gotejante, os braços distendidos, o peito constelado de chagas!