A sua vida na minha casa, era de um extremo recolhimento.
Parecia mais um refugiado político do que um amante amado. Não tinha relações nem convivências. às vezes de manhã saía num coupé cuidadosamente fechado, que perpetuamente estacionava à porta.
De tarde, às oito horas, saía também, e só o via no outro dia ao almoço, em que ele aparecia sempre levemente contrariado pelas cartas que lhe vinham de Londres e de Paris. Notei por esse tempo umas certas tendências místicas no seu espirito, de ordinário tão positivo e tão retilineo. Surpreendi-o mesmo uma vez lendo a Imitação.
Num carater logico e frio como o de Ritmel, aquele estado de espirito era decerto o sintoma de uma grave perturbação do coração.
Falava às vezes em Carmen, sempre com saudade. Gostava de conversar das coisas de religião e das legendas do céu. Falava na Trapa, no sossego imortal dos claustros, e nas quimeras da vida. Eu estranhava-o.
Desde que ele viera para Lisboa eu não voltara a casa da condessa, por um certo sentimento altivo de reserva e de orgulho. Nesse tempo estava ela absolutamente livre. O conde achava-se em Bruxelas, onde Mademoiselle Rise o tinha cativo dos nervosos e ágeis bicos dos seus pés, que então escreviam pequeninos poemas no tablado do teâtre du Prince Royal.
Um dia, inesperadamente, recebi da condessa um bilhete que dizia:
«Meu primo: Se um gelado tomado num terraço com uma velha amiga não sobrexcita excessivamente os seus nervos, espero-o esta tarde em… (era uma quinta ao pé de Lisboa que ela habitava algumas vezes no verão). Traga o seu amigo Ritmel.»
Mostrei o bilhete a Ritmel, e pelas seis horas da tarde rodávamos na estrada de… num coupé com os stores corridos.
A condessa tinha acabado de jantar.