existência do Chiado, que veste na Aline, que glorificações pode dar à sua paixão?
E depois é cruel, e é forçoso dize-lo: há sempre um momento em que uma mulher pergunta a si mesma se realmente são as grandes qualidades morais do seu amante que a dominaram. Porque então haveria justificações. E há uma profunda humilhação na nossa consciência quando nos chegamos a convencer de que, se amamos um homem, não foi só a nobreza das suas ideias e o ideal dos seus sentimentos que nos dominaram, mas um não sei quê, em que entra talvez a cor do seu cabelo e o nó da sua gravata. Sejamos francas; para que havemos de disfarçar a pequenez estreita das nossas inclinações? Para que havemos de colorir de ideal a origem vulgar das nossas preferências? Não quero dizer que as elevações morais não sejam um auxiliar poderoso à simpatia instintiva; mas o que na realidade nos domina é o exterior de um homem. Que todas as que lerem estas confidências dolorosas se consultem no silêncio do seu coração e digam o que determinou nelas a sensação: se foi o carater ou se foi a fisionomia. E as que forem francas dirão que na sua vida influiu talvez mais a cor de um frack, do que a elevação de um espirito.
Sim, digo-o, francamente, daqui deste canto do mundo, em que o ruido das coisas tem o som oco da tampa de um esquife: os desvarios do coração em nós outras, nada os absolve, quase nada os explica.
Fui nova; tive, como todas, as minhas horas de tédio assaltadas de quimeras; tive os meus romances íntimos, que nasciam, sofriam, morriam entre duas flores do meu bordado. Criei aventuras, dramas apaixonados e fugas dramáticas, aconchegadamente encolhida na minha poltrona, ao canto do fogão.
Conheci mais tarde muitos carateres femininos e a história de muitas sensibilidades.