Porque nele há um pouco de tudo quanto um romancista lhe não deveria pôr e quase tudo quanto um critico lhe deveria tirar.
Poupemo-lo - para o não agravar fazendo-o em três volumes - à enumeração de todas as suas deformidades! Corramos um véu discreto sobre os seus mascarados de diversas alturas, sobre os seus médicos misteriosos, sobre os seus louros capitães ingleses, sobre as suas condessas fatais, sobre os seus tigres, sobre os seus elefantes, sobre os seus hiantes em que se arvoram, como pavilhões do ideal, lenços brancos de cambraia e renda, sobre os seus sinistros copos de ópio, sobre os seus cadáveres elegantes, sobre as suas toiletes românticas, sobre os seus cavalos esporeados por cavaleiros de capas alvadias desaparecendo envoltos no pó das fantásticas aventuras pela Porcalhota fora!…
Todas estas coisas, aliás simpáticas, comoventes por vezes, sempre sinceras, desgostam todavia velhos escritores, que há muito desviaram os seus olhos das perspetivas enevoadas da sentimentalidade, para estudarem pacientemente e humildemente as claras realidades da sua rua.
Como permitimos pois que se republique um livro que sendo todo de imaginação, cismando e não observado, desmente toda a campanha que temos feito pela arte de análise e de certeza objetiva?
Consentimo-lo porque entendemos que nenhum trabalhador deve parecer envergonhar-se do ser trabalho.
Conta-se que Murat, sendo rei de Nápoles, mandara pendurar na sala do trono o seu antigo chicote de postilhão, e muitas vezes, apontando para o cetro mostrava depois o açoite, gostando de repetir: Comecei por ali. Esta gloriosa história confirma o nosso parecer, sem com isto querermos dizer que ela se aplique às nossa pessoas. Como trono temos ainda a mesma velha cadeira em que escrevíamos há quinze anos; não temos dossel que nos cubra; e as nossas cabeças, que embranquecem, não se cingem por enquanto de coroa alguma, nem de louros, nem de Nápoles.