Para nossa modesta satisfação basta-nos não ter cessado de trabalhar um só dia desde aquele em que datámos este livro até o instante em que ele nos reaparece inesperadamente na sua terceira edição, com um petulante arzinho de triunfo que, à fé de Deus, não lhe vai mal!
Então, como agora, escrevíamos honestamente, isto é, o melhor que podíamos: desse amor da perfeição, que é a honradez dos artistas, veio talvez a simpatia do público ao livro da nossa mocidade.
Há mais duas razões, para autorizar esta reedição.
A primeira é que a publicação deste livro, fora de todos os moldes até o seu tempo consagrados, pode conter, para uma geração que precisa de a receber, uma útil lição de independência.
A mocidade que nos sucedeu, em vez de ser inventiva, audaz, revolucionaria, destruidora de ídolos, parece-nos servil, imitadora, copista curvada de mais diante dos mestres. Os novos escritores não avançam um pé que não pousem na pegada que deixaram outros. Esta pusilanimidade torna todas as obras trôpegas, dá-lhes uma expressão estafada; e a nós, que partimos, a geração que chega faz-nos o efeito de sair velha do berço e de entrar na arte de muletas.
Os documentos das nossas primeiras loucuras de coração queimámo-los há muito, os das nossas extravagâncias de espirito desejamos que fiquem. Aos vinte anos é preciso que alguém seja estroina, nem sempre talvez para que o mundo progrida, mas ao menos para que o mundo se agite, Para ser ponderado, correto e imóvel há tempo de sobra na velhice.
Na arte, a indisciplina dos novos, a sua rebelde força de resistência às correntes da tradição, é indispensável para a revivescência da invenção e do poder criativo, e para a originalidade artística. Ai das literaturas em que não há mocidade! Como os velhos que atravessaram a vida sem o sobressalto de uma aventura, não haverá nelas que lembrar.