O imperador citava muitas vezes este dito, como sendo conjuntamente a crítica profunda de uma fisionomia e de um carater.
Carlos Fradique tinha por mim uma amizade elevada e sincera. Chamava-me seu querido irmão. Conhecia-me desde pequena, andara comigo ao colo. Em Paris tornou-se celebre; era o que se poderia chamar um filósofo do boulevard. Tinha sido lamy de coeur de Rigolboche, e quando ela rompeu por se ter apaixonado por Capoul, Carlos Fradique deixou-lhe no álbum uns versos quase sublimes, de um desdém cruel, de um cómico lúgubre, uma espécie de Dies irae do dandismo… Prometia à Rigolboche que quando ela morresse ele velaria para que ainda além do túmulo ela vivesse no chic, sentindo Paris na sepultura. Algumas das estrofes que ele traduziu para mim, e que depois se publicaram, fizeram sensação e escola…
E eu quinda te amo, ó pálida canalha,
Que sou gentil e bom,
Far-te-ei enterrar numa mortalha
Talhada à Benoiton!
Irei à noite com Marie Larife,
Vénus do macadam,
Fazer sentir ao pó do teu esquife
Os gostos do cancan…
E no tempo das courses, pelo verão
- Assim to juro eu -
Irei dar parte à tua podridão
Se o Gladiador venceu…
Eram dez horas. Carlos Fradique, com uma voz impassível, quase languida, contava as situações monstruosas de uma paixão mística que tivera por uma negra antropófaga. A sua veia, naquele dia, era toda grotesca.
- A pobre criatura, dizia ele, untava os cabelos com um óleo ascoroso. Eu seguia-a pelo cheiro. Um dia, exaltado de amor, aproximei-me dela, arregacei a manga e apresentei-lhe o braço nú. Queria fazer-lhe aquele mimo! Ela cheirou, deu uma dentada, levou um pedaço longo de carne, mastigou, lambeu os beiços e pediu mais. Eu tremia de amor, fascinado, feliz em sofrer por ela.