Deitei-me. O meu pobre cérebro estava numa vibração tempestuosa; era como numa tormenta em que veem à superfície da mesma vaga os destroços de um naufrágio e as flores da alga; no meu espirito revolto, surgiam no mesmo redemoinho, as coisas graves, e as recordações fúteis, as minhas dores e as minhas fantasias, os desastres do meu amor, e ditos de óperas cómicas! Sentia a chegada da febre. Chamei Bety.
- Bety! não posso dormir, não sei que tenho. Quero dormir por força. Quero amanhã todas as minhas faculdades em equilíbrio. Se não durmo estou perdida, endoideço… Dá-me alguma coisa.
- Mas o quê, minha senhora?
- Olha, dá-me aquela bebida que davam à mamã nas insónias, a que tu tomas quando tens dores… Tens?
- Quer ópio?
- Não sei! água opiada, vinho opiado, o quer que seja. Foi o doutor que me disse…
- Minha querida menina, eu tenho ópio. Uma gota, num copo de água. Eu sei? Talvez lhe faça mal!
- Dá-ma, o doutor disse-mo ontem. Dá, depressa.
Bebi. Era água opiada, creio eu. Não sei. Parece-me que adormeci logo, e lembro-me que durante o sono sentia-me encaminhar incessantemente, num movimento perpétuo que afetava todas as formas; ora lento e pacífico, como um passeio sob uma alameda; ora rápido, volteado, e era a valsa de Gounod que eu dançava; ora solene e melancólico, e era um enterro que eu acompanhava; ora cortante, escorregadio, veloz, e era em Paris, e era no inverno, e eu patinava sobre a neve.
Acordei de manhã, serena, e decidida. Mandei pôr um coupé. Saí. Fiz parar à porta do meu primo. Eram duas horas da tarde. Eu sabia, desde essa manhã, que Ritmel estava com ele em Belas. Subi. Apareceu um criado português, Luís, que eu conhecia, um imbecil, atrevido para o ganho, discreto pelo medo.
- Mr.