Sei que, em resultado das primeiras noticias que lhe dei, o governador civil de Lisboa oficiou ao administrador de Sintra convidando-o a meter o esforço da sua polícia no descobrimento deste crime. Foram inúteis estas providências. Assim devia ser. O sucesso que constitui o assunto destas cartas está pela sua natureza fora da alçada das pesquizas policiais. Nunca me dirigi às autoridades, quis simplesmente valer-me do público, escolhendo para isso as colunas populares do seu periódico. Resolvi homiziar-me, receando ser vítima de uma emboscada.
São óbvias, depois disto, as rasões porque lhe oculto o meu nome: assignar estas linhas seria patentear-me; não seria esconder-me, como quero.
Do meu impenetrável retiro lhe dirijo esta carta. É manhã. Vejo a luz do sol nascente através das minhas gelosias. Oiço os pregões dos vendedores matinais, os chocalhos das vacas, o rodar das carruagens, o murmúrio alegre da povoação que se levanta depois de um sono despreocupado e feliz…
Invejo aqueles que não tendo a fatalidade de secretas aventuras passeiam, conversam, moirejam na rua. Eu - pobre de mim! - estou encarcerado por um mistério, guardado por um segredo!
P. S. Acabo de receber uma longa carta de F. Esta carta, escrita há dias, só hoje me veio à mão. Sendo-me enviada pelo correio, e tendo-me eu ausentado da casa em que vivia sem dizer para onde me mudava, só agora pude haver essa interessante missiva. aí tem, senhor redator, copiada por mim, a primeira parte dessa carta, da qual depois de amanhã lhe enviarei o resto. Publique-a, se quiser. É mais do que um importante esclarecimento neste obscuro sucesso; é um vestígio luminoso e profundo. F… é um escritor público, e descobrir pelo estilo um homem é muito mais fácil do que reconstruir sobre um cabelo a figura de uma mulher.