Tive sim, nos primeiros tempos em que fui àquela casa, um amor indefinido, uma fantasia delicada, um desejo transcendente por aquela doce criatura. Disse-lho até; ela riu, eu ri também; apertámo-nos gravemente a mão; jogámos nessa noite o écarté; e ela terminou por fazer numa folha de papel a minha caricatura. Desde então fomos amigos; nunca mais reparei que ela fosse linda; achava-a um digno rapaz, e estava contente. Contava-lhe os meus amores, as minhas dívidas, as minhas tristezas: ela sabia ouvir tudo, tinha sempre a palavra precisa e definitiva, o encanto consolador. Depois, também, ela contava-me os seus estados de espírito nervosos, ou melancólicos.
- Estou hoje com os meus blue decils, dizia ela.
Fazíamos então chá, falávamos baixo ao fogão. Ela não era feliz com o marido. Era um homem frio, trivial e libertino; o seu pensamento era estreito, a sua coragem preguiçosa, a sua dignidade desabotoada. Tinha amantes vulgares e grosseiras, fumava impiedosamente cachimbo, cuspia o seu tanto no chão, tinha pouca ortografia. Mas os seus defeitos não eram excecionais, nem destacavam. Lord Grenlei dizia dele admirado:
- Que homem! não tem espírito, não tem mão de rédea, não tem ar, não tem gramatica, não tem toilete, e todavia não é desagradável.
Mas a natureza fina, aristocrática, da condessa, tinha ocultas repugnâncias, com a presença desta pessoa trivial e monótona. Ele no entanto estimava-a, dava-lhe joias, trazia-lhe às vezes um ramo de flores, mas tudo isso fazia indiferentemente, como guiava o seu dog-cart.
O conde tinha por mim um entusiasmo singular: achava-me o mais simpático, o mais inteligente, o mais bravo; pendurava-se orgulhosamente do meu braço, citava-me, contava as minhas audácias, imitava as minhas gravatas.