Independentemente da forma por mim escolhida, fazê-lo implicava um acto de violência da minha parte, já que implicava a introdução forçada das ideias de vulgaridade e culpa numa criatura indefesa e que fora para mim a própria revelação da beleza. Não iria eu contribuir apenas para criar naquele ser tão raro uma grosseria que ele desconhecia? Penso estar agora em condições de analisar a situação em que nos encontrávamos com muito mais nitidez que então, pois é como se pudesse distinguir nos olhos de ambos uma centelha onde se reflectia toda a angustia que estava por chegar. Assim, andámos aos círculos com os nossos medos e escrúpulos, como dois lutadores que não se atrevem a aproximar-se demasiado. Mas era pelo outro que cada um de nos receava! Era isso que nos mantinha na expectativa.
— Eu conto-lhe tudo... — disse Miles. — Quero dizer, tudo o que quer saber. A senhora vai ficar do meu lado e não nos vai acontecer nada de mal. A sério que lhe conto, palavra! Mas não agora.
— E por que não agora?
A minha resistência levou-o de novo para junto da janela, onde se manteve num silêncio que teria permitido escutar o som de um alfinete a cair. Por fim, voltou para a minha frente, desta feita com cara de quem acabara de ver alguém lá fora à sua espera.
— Tenho de ir ter com o Luke.
Ainda nada fizera para o obrigar a mentir daquela forma, e por isso senti-me envergonhada. Ainda assim, as suas mentiras deram força à minha verdade. Pensativa, fiz mais alguns pontos na minha malha.