Aquele garoto era demasiado inteligente para ser estragado por uma professora medíocre, por uma filha de um pastor qualquer. Contudo, o ponto mais estranho, se não mesmo o mais brilhante, de todos os que compunham esta trama, estava relacionado com a ideia com que por certo eu ficaria, se me tivesse dado ao trabalho de pensar no assunto, de que pudesse haver uma qualquer influência estranha a agir no seu intelectos incentivando-os a render o máximo dos máximos.
Contudo, se, por um lado, era fácil compreender que o garoto estava em condições de adiar a sua volta à escola, por outro, era igualmente incompreensível como é que um professor tivera coragem de «dispensar» uma criança daquelas. Resta-me apenas acrescentar que, na companhia deles — e eu tinha o cuidado de nunca os perder de vista —, era-me impossível pressentir qualquer coisa de anormal. Vivíamos envoltos numa nuvem de música, carinho e representações teatrais de carácter caseiro. Ambos os irmãos possuíam um enorme talento musical, mas era sem dúvida o rapaz quem tinha melhor ouvido. O piano da sala de aulas deixava escapar toda a espécie de fantasias sonoras, e, quando aquilo parecia não bastar, Miles e Flora retiravam-se para um canto com vista a descobrir qualquer coisa de novo, depois do que um deles acabava por abandonar a sala no intuito de «voltar» com algo de diferente. Como também eu tivera irmãos, não me causava qualquer espanto que uma rapariguinha pudesse idolatrar de tal forma o irmão, acabando por transformar-se numa espécie de escrava. O que realmente me deixava surpreendida era saber que existia no mundo um rapazinho capaz de sentir tamanho respeito por uma criatura do sexo oposto que lhe era inferior em idade e inteligência. Davam-se maravilhosamente, e dizer que nunca discutiam ou protestavam representa quase uma ofensa à forma carinhosa como se tratavam. No entanto, quando me deixava arrastar pela suspeita, vezes houve em que me apercebi da existência de um qualquer entendimento secreto entre eles, por meio do qual um tinha como missão entreter-me enquanto o outro se esgueirava não sei bem para onde.
