Ele nunca fizera nada para alimentar esta ideia, bem pelo contrário, mas se a ela não tivéssemos recorrido, sem dúvida que se teriam perdido algumas das mais notáveis representações levadas a cabo por qualquer um de nós. O tio nunca lhes enviara uma só carta que fosse, e, embora tal pudesse ser considerado um acto de egoísmo, também servia para confirmar que ele estava satisfeito com o meu trabalho. Pois não é verdade que a forma como um homem presta o maior de todos os elogios a uma mulher passa, não pela celebração ruidosa, antes pelo reconhecimento de que o seu sossego continua a ser respeitado? Empenhada em cumprir a promessa que fizera ao meu patrão, cheguei ao ponto de dar a entender aos garotos não passarem as cartas por eles dirigidas ao tio de belos exercícios literários.
Eram demasiado bonitas para ser enviadas. Acabei por ficar com elas e ainda hoje as tenho comigo. Isto servia ainda para aumentar o que havia de irónico no facto de os meus pupilos não cessarem de me confrontar com a possibilidade de o tio ali poder chegar a qualquer instante. Era como se os jovens soubessem como uma coisa daquelas seria embaraçosa para mim. Ainda assim, como se isto não bastasse, quando passo em revista os acontecimentos de então, aquilo que mais me espanta prende-se com o facto de, independentemente de a minha vida ser um inferno e de saber a vantagem que aqueles dois tinham sobre mim, nunca me ter mostrado impaciente para com eles. Só agora compreendo o quanto Miles e Flora devem ter-se mostrado amorosos, pois nunca conseguiu detestá-los! Mas, caso o alívio não tivesse acabado por chegar, teria o desespero acabado por me trair? Isso hoje pouco ou nada interessa, já que o alívio chegou. Bom, claro que chamo alívio a algo que pode ser comparado à sensação cansada por uma bofetada que põe termo a uma crise histérica ou à trovoada em que culmina um dia de calor sufocante. Mas pelo menos foi uma mudança, e deu-se repentinamente.