Depois destas cenas secretas, mostrava-me mais faladora que nunca, isto até ao momento em que voltava a sentir aqueles sussurros quase palpáveis (sou incapaz de defini-los de outra forma) que precediam um silêncio opressivo, uma pausa em todas as actividades relacionadas com a vida, algo que nada tinha a ver com o maior ou menor ruído que pudéssemos estar então a produzir, e que continuava a fazer-se sentir mesmo quando os risos aumentavam de volume, as lições eram debitadas com maior rapidez ou o piano soava mais alto que nunca Nessas alturas sabia que eles, os outros, estavam ali. Embora não fossem anjos, sentia a sua presença invisível, e, enquanto ali permaneciam, tremia de medo perante a possibilidade de que estivessem a comunicar às suas jovens vítimas uma qualquer mensagem ou imagem demasiado terrível e que considerassem imprópria para os meus olhos e ouvidos.
Não conseguia livrar-me da sensação de que, independentemente do que me era dado a contemplar, Miles e Flora viam sempre mau — coisas terríveis e inimagináveis resultantes de relacionamentos passados. Como seria de esperar, este tipo de coisas deixava sempre arras de si um arrepio — que nós de pronto procurávamos negar. Com o passar do tempo, de facto, os nossos actos automatizaram-se de tal forma que, talvez para indicar que o episódio em causa tinha chegado ao fim, repetíamos uma série de movimentos. Era espantoso como as crianças me beijavam com aquela irreverência que lhes era peculiar, ao mesmo tempo que uma delas — ora Miles, ora Flora — fazia a pergunta mágica que nos ajudara a superar tantas situações embaraçosas: «Quando é que acha que ele vem visitar-nos? Não seria boa ideia escrever-lhe?» A experiência ensinara-nos que bastava aquilo para que tudo voltasse ao normal. Como seria de esperar, este «ele» era o tio que vivia em Harlev Street, e tornara-se costume entre nós especular sobre a sua possível chegada no intuito de se juntar ao nosso círculo.
