Este sangue-frio, no meio da emoção geral, era medonho. Peyrade desdobrou as outras duas cartas.
- Oh! essas são pouco mais ou menos iguais.
Ouviram o testamento, agora aí têm a sua realização. Doravante o meu coração não terá segredos para ninguém, eis tudo.
«1794. Andernach (antes do combate):
«Minha querida Laurence,
«Amo-a para a vida inteira e quero que o saiba; mas, no caso de eu vir a morrer, fique, sabendo que o meu irmão Paulo-Maria a ama tanto como eu.
«A minha única consolação ao morrer será a certeza de que poderá um dia fazer de meu querido irmão seu marido, sem me ver consumido de ciúme, como naturalmente aconteceria se, vivos os dois, viesse a preferi-lo a mim. E, afinal, esta preferência afigurar-se-me-ia perfeitamente natural, pois talvez ele valha mais do que eu». etc.
Maria-Paulo
- Aqui tem a outra - tornou ela, com um leve rubor na testa:
«Andernach (antes do combate).
«Minha boa Laurence,
«Sinto uma certa tristeza na alma; mas Maria-Paulo tem suficiente alegria no seu feitio para lhe agradar mais do que eu. Terá, um dia destes, de escolher entre nós: pois bem, embora eu a ame apaixonadamente... »
- Corresponde-se, então, com emigrados! - disse Peyrade, interrompendo Laurence e por precaução colocando as cartas entre ele e a luz para verificar se não conteriam, nas entrelinhas, qualquer escrita em tinta simpática.
- É verdade - disse Laurence, que dobrou as preciosas cartas, cujo papel ficara crestado. - Mas com que direito violam os senhores o meu domicílio, a minha liberdade pessoal e todas as virtudes domésticas?
- Ah! com efeito! - exclamou Peyrade.- Com que direito? É preciso que o saiba, bela aristocrata - continuou ele, retirando da algibeira uma ordem emanada do ministério da Justiça e rubricada pelo ministro do Interior.